Lembro-me bem quando assumiu o novo Presidente Executivo na empresa em que trabalhava. Tratava-se de um homem conhecido, bastante temido no mercado. Excêntrico a seu jeito, sisudo apesar de seus somente quarenta e poucos anos de idade, mantinha uma formalidade de Comendador do Império ao dirigir-se a todos por “o senhor” e “a senhora”. Curiosamente, na nossa primeira conversa, revelou-se muito mais assertivo – e muito menos temível – do que eu imaginava.
A abertura da sua primeira reunião comigo – então “head” de meio ambiente da empresa – não poderia ter sido mais espinhosa e incisiva. “Não gosto desse assunto que o senhor conduz. Isso é coisa inventada por consultores, para consultores ganharem dinheiro. No tempo em que não havia esse assunto, as coisas eram muito mais simples e objetivas”. Quando eu já presumia o desastre que seria trabalhar com esse homem, sua assertividade se fez presente na definição exata do que ele esperava de mim: “não quero gastar nesse seu assunto nem um centavo a mais do que aquilo que é estritamente necessário… mas não quero gastar nem um centavo a menos do que eu devo. A obrigação do senhor é provar que eu devo…”. Reunião encerrada.
Seguramente, essa foi a declaração de expectativas sobre o meu trabalho mais direta e clara que jamais havia recebido de um chefe. Missão dada, missão cumprida. A partir daquele momento, o meu principal parceiro e aliado, a quem passei a recorrer sempre que havia decisões importantes a tomar envolvendo a necessidade de investimentos, passaria a ser o Diretor Financeiro da empresa.
Conhecia o CFO desde o tempo em que ele ocupava uma gerência média. Ele me havia ajudado na construção de um modelo teórico de cálculo daquilo que chamávamos de “custos de não fazer”. De fato, no campo ambiental e social, o custo de não realizar um determinado investimento frequentemente não é igual a zero. Investir hoje pode evitar enormes custos amanhã, como multas, remediações, indenizações, advogados, comunicação, resgate de imagem, seguros, entre outros. No nosso modelo, usamos a Matriz de Riscos da empresa, associada a um conceito de seguro financeiro, ou “hedge” (que, anos mais tarde, viria a inspirar o nome dessa Consultoria…). Produzimos a quatro mãos um método de apropriação de custos evitados no cálculo do Valor Presente Líquido (VPL) dos investimentos necessários. Dessa forma, os VPL negativos, que normalmente caracterizam os investimentos socioambientais, podiam ser “ajustadas ao hedge ambiental”, apropriando como descontos, no fluxo de caixa correspondente à alternativa de realizar o tal investimento, os custos evitados calculáveis multiplicados pela sua probabilidade de ocorrência – em sintonia com a Matriz de Riscos da companhia.
Assim, passei a apresentar nas Reuniões de Diretoria as necessidades de investimentos ambientais resumidas a um único slide. No topo, como título, o nome do investimento requisitado; logo abaixo, em letras menores, sua breve descrição, e o que determinava a obrigação de fazer (uma licença, uma notificação, uma compensação, um acordo, uma lei…); por último, no pé do slide, dois boxes, lado a lado, um contendo o custo e o VPL calculados pelos métodos tradicionais, e o outro com custo e VPL “ajustados ao hedge ambiental”. Os números – é claro – traziam “hyperlinks” para planilhas eletrônicas, onde estavam discriminadas todas as memórias de cálculo.
Com isso, minhas intervenções nas reuniões de Diretoria não precisavam mais do que cinco minutos. O Presidente ouvia, olhava para o CFO, que meneava a cabeça positivamente. Resultado: investimento aprovado! O mesmo se deu para a apropriação, no balanço patrimonial daquela empresa de capital aberto, de volumosos passivos ambientais herdados de operações antigas – do tempo em que não se falava sobre meio ambiente. Melhor admiti-los do que correr o risco.
Para mim, o grande aprendizado foi perceber que profissionais ambientais e de responsabilidade social das empresas precisam saber falar a língua dos negócios. Precisam saber demonstrar o aumento de receita, a redução de custos ou a redução de riscos associados às suas propostas. Precisam poder demonstrar a contribuição de suas ideias para a lucratividade mediata, ou à sustentabilidade econômica da empresa no longo prazo. Para organizações produtivas, seus CEOs e acionistas, isso é o que importa no final das contas. Isso é sustentabilidade. E, no caso desse Presidente em particular, a demonstração teria que vir em apenas um slide. Como ele costumava dizer, “capas com títulos e fotos coloridas só servem para desperdiçar o meu tempo e os recursos da empresa. Se apresentação vier com capa, eu nem olho o segundo slide…”.