Na semana que passou, os jornais noticiaram o envelhecimento da população brasileira, seguindo um padrão que vem se verificando mundialmente. A antiga pirâmide demográfica de base larga, típica dos anos 1970, foi se reconfigurando em uma forma de ânfora (mais adultos do que crianças, e um maior e mais longevo contingente de velhos). Projeta, ainda, para 2050 um grande percentual de indivíduos acima dos 60 anos de idade. Segundo alguns especialistas ouvidos, um grande risco para a previdência social, uma mudança importante nos padrões (e desejos) de consumo, e alguns desafios severos para a sustentabilidade. Ao ler essa matéria, decidi dar a esse “Entendendo o Brasil” um conteúdo mais amplo e filosófico. Vou convidá-los a refletir sobre algumas perguntas, para as quais acredito que as respostas são fundamentais para a sustentabilidade (sustento e sustentação) das populações humanas no Planeta. Não tenho as respostas; essa discussão talvez seja mais compatível com os artigos da série “E Agora?”.
Começo por uma referência a um fato vivido. Em outubro de 2009, estava em Washington DC para participar da reunião anual dos Liaison Delegates do Conselho Empresarial Mundial para o Desenvolvimento Sustentável (WBCSD), em nome da empresa de mineração VALE S.A. Estas reuniões oferecem aos delegados a oportunidade de acompanhar as últimas tendências em sustentabilidade, de discutir questões estratégicas relacionadas, e de decidir sobre as prioridades do WBCSD para os próximos anos.
As palestras e discursos durante o Congresso baseavam-se no pressuposto principal de que a humanidade iria atingir um total de 9 bilhões de habitantes até 2050. Assim – diziam eles – esforços poderiam ser aplicados no sentido de capturar esta “oportunidade de mercado”, garantindo que todas as necessidades básicas fossem providas a todos, com a devida equidade. Na minha intervenção final neste encontro, sugeri que essa premissa seria falsa: esforços deveriam – isso sim – ser aplicados de uma forma inteligente para evitar este crescimento excessivo. Caso contrário, as guerras, a barbárie, os eventos climáticos extremos, a fome, a sede e as doenças iriam desempenhar o seu papel no controle das populações humanas, não permitindo que a nossa espécie chegue a 9 bilhões na face da Terra em 2050.
O ritmo diferente entre crescimento da população e disponibilidade de recursos parece nos levar de volta para o dilema proposto no relatório de 1972 “Os Limites do Crescimento”, produzido por membros do think-tank “Clube de Roma”. Ou, antes ainda, às preocupações originalmente introduzidas por Thomas Malthus em seu ensaio de 1798, An Essay on the Principle of Population. Uma leitura atual de Mary M. Kent e Carl Haub (Global Demographic Divide, 2005), no âmbito da chamada abordagem Neo Malthusiana, leva-nos a supor que nossa sociedade tem concentrado riqueza através do desequilíbrio das taxas de fertilidade: os pobres dão à luz um maior número de filhos, enquanto os casais mais ricos têm apenas um filho – ou mesmo nenhum. Desta forma, parece que estamos distribuindo mais pobreza entre uma parcela progressivamente crescente da população: os mais pobres. De fato, Kent e Haub afirmam que “a maior parte do crescimento da população vem ocorrendo em lugares que já enfrentam problemas para alimentar seu povo“.
Implicações religiosas e culturais da simples ideia de controle de natalidade transformaram minha intervenção na Conferência do WBCSD de 2009 em um debate acalorado… Não obstante, se é assumido que tal redução do crescimento deve ser considerada como uma estratégia de adaptação, como poderia ser implantada sem ofender de forma grave as tradições culturais e/ou religiosas (o que poderia resultar em resistência, em vez da adesão desejada)? A “educação das mulheres” aparece como primeira resposta a respeito de “o que fazer”. É amplamente percebido que as sociedades onde as mulheres têm menos ou nenhum acesso à educação mostram taxas de fertilidade acima de 4 nascimentos por mulher, enquanto as regiões mais educadas apresentam valores inferiores a 2 – alguns deles inferiores a 1,3 nascimentos. A fertilidade de reposição, que garante a estabilidade da população mundial, é de 2,1 filhos por casal. Então, os dados do Banco Mundial mostram de fato que o nível educacional das mulheres em uma sociedade é inversamente proporcional à taxa de fertilidade? As estatísticas dos países realmente confirmam este axioma? O que se observa da leitura dos dados é que as taxas de fertilidade estão diminuindo espontaneamente em todo o mundo. Entre pobres e ricos. A diferença é que, nos países e regiões ricas, perigosamente abaixo da reposição e, nas regiões pobres, ainda bem acima dessa taxa. Enquanto isso, a população total ainda cresce…
Em paralelo, vemos em alguns cantões do globo manifestações religiosas e/ou culturais que restringem o acesso de mulheres à educação. Em outubro de 2012, Malala Yousafzai sobreviveu aos tiros do Taliban. Mais de 200 meninas foram sequestradas da escola na Nigéria por extremistas do Boko Haram em abril de 2014. Em ambos os casos, o pretexto foi que educação feminina seria supostamente contra as regras e tradições religiosas e culturais. Estas duas histórias trouxeram mais e mais força para a causa da educação de mulheres em todo o mundo. No entanto, será que “Eduquem as mulheres!” é um slogan forte o suficiente para reverter essa situação? Há mensagens complementares – ou mesmo alternativas – a transmitir? É possível mediar essas diferenças fundamentais em conflito?
Outra questão relaciona-se ao “como fazer”: devemos planejar a redução do crescimento de forma a não pôr em risco uma proporção minimamente adequada entre as populações economicamente ativas e os inativos, tendo em vista a saúde das contas nacionais de seguridade social. Um caminho importante parece ser a condução da redução do crescimento para um pouso suave, e não a uma queda do avião. Qual taxa de redução (e em que ritmo) poderia garantir à humanidade a quantidade de riqueza necessária para fornecer o bem-estar mínimo aceitável, bens e recursos a uma população inteira a envelhecer? Apesar de, como foi dito, a redução de fertilidade estar sendo observada em todo o mundo nas últimas décadas – mesmo nos países subdesenvolvidos e em desenvolvimento – como a preponderância de taxas de fertilidade maiores nas áreas mais pobres (ainda acima da fertilidade de reposição) pode agravar o desequilíbrio entre crescimento da população, distribuição geográfica, e disponibilidade e acesso aos recursos? Que nível de interferência seria aceitável, sem que se fira o livre arbítrio e os direitos individuais?
Na minha opinião, estas são as questões mais relevantes e desafiadoras que irão definir se a pobreza pode ou não ser reduzida de forma inteligente ao redor do planeta – integrando verdadeiramente o conceito de sustentabilidade às teorias sociais e econômicas. Questões polêmicas, é verdade… Mas não podemos mais ignorá-las.