Imagine os melhores músicos e os melhores instrumentos musicais reunidos em uma sala de concerto. Todos sob a regência do melhor maestro. Partituras de uma difícil sinfonia são distribuídas entre eles. Não é de se esperar que toquem “di prima”, de forma harmônica. O Maestro precisa impor sua interpretação, e fazê-la entender aos músicos. Ensaios com os vários naipes de instrumentos terão que ser conduzidos em separado, pelo tempo necessário para que se afinem individualmente. Quando as partes estiverem prontas, mais tempo e dedicação serão necessários para que a orquestra soe completa e perfeita.
O mesmo ocorre com as partidas de grandes complexos industriais. Dada a complexidade dos processos e do próprio comissionamento das fábricas, mesmo que os melhores equipamentos tenham sido instalados, mesmo que os melhores técnicos estejam envolvidos, é de se esperar que muitos ajustes precisem ser feitos para que todo o processo de produção se harmonize.
Nos projetos industriais, essa fase – correspondente aos ensaios da orquestra – é chamada de “pré-operação”. De fato, o período de pré-operação corresponde ao tempo dos testes, dos ajustes, quando os erros e falhas aparecem e precisam ser corrigidos. Quando se fala de um grande complexo industrial, são centenas de milhares de conjuntos, peças e sistemas para serem postos em marcha, com sequência exata de entrada, ajustes milimétricos de equipamentos, acertos de parâmetros dos processos, ou seja, uma infinidade de detalhes que, ao longo da pré-operação, tendem progressivamente a entrar em harmonia. A única forma de superar as dificuldades e falhas identificadas na pré-operação consiste em operar continuada e repetidamente, e corrigir os rumos quando necessário.
Além das naturais dificuldades decorrentes da evolução tecnológica na indústria (alguns processos são inéditos, produtos do avanço tecnológico), outro fator que contribui para a necessidade de ajustes nessa primeira fase decorre da especialização cada vez maior dos fornecedores. Hoje em dia, a modalidade de contratação dos projetos se dá em regime de turn-key (pelo qual o fornecedor é responsável por todo o desenvolvimento, desde o projeto conceitual até a entrega para operação), em “pacotes” de fornecimento. Em um grande complexo industrial, a divisão desses “pacotes” pode obedecer a lógica da modalidade de engenharia a realizar (civil, hidráulica, elétrica, etc.) mas, frequentemente, aplica-se ao projeto, construção e comissionamento de uma unidade inteira do complexo. Os vários “pacotes” são contratados junto a fornecedores especialistas diferentes: nem sempre as interfaces entre os “pacotes” são simples, mais ainda quando a obra não conta com uma engenharia integradora – as chamadas empresas “epecistas”.
Depois de muitos anos de estagnação em sua industrialização de base, o Brasil vivenciou, a partir de meados de 2010, a pré-operação pioneira da Companhia Siderúrgica do Atlântico – CSA, maior investimento privado realizado no País nos últimos 20 anos. Como em toda pré-operação, problemas foram identificados e corrigidos. Primeira grande produtora de aço a se instalar depois de quase 30 anos (a última siderúrgica integrada do País teve sua partida entre 1983 e 1986 – antes, portanto, do Brasil Democrático), a CSA experimentou uma natural desconfiança por parte da população vizinha e de outros atores. Em futuro próximo, teremos o início das operações de outros empreendimentos, hoje em instalação, como: a também siderúrgica CSP, no Ceará; as refinarias COMPERJ no Rio de Janeiro, e Abreu e Lima em Pernambuco (importante discutí-las e entender sua importância, em perspectiva diferente da que chega a nós todos os dias pelos noticiários); mais de uma dezena de complexos portuários, como o Açu e o Porto Sudeste, ambos no Rio; novas minas, como a S11D da Vale, na Serra Sul de Carajás, no Pará. Serão novas orquestras iniciando seus ensaios. Todos os futuros projetos produtivos de base que se instalarem no Brasil necessitarão de longos períodos de pré-operação. Provavelmente, mais longos do que prevê a legislação ambiental vigente.
O Manual de Procedimentos para o Licenciamento Ambiental Federal do IBAMA (replicado e adaptado por várias legislações estaduais sobre o tema) estabelece que a Licença de Operação só seja concedida a um determinado empreendimento “após as verificações necessárias do funcionamento dos seus equipamentos de controle de poluição e do atendimento das condicionantes constantes das Licenças Prévia e de Instalação”. Determina ainda que o órgão licenciador, “sempre que necessário, estabelecerá procedimentos de pré-operação visando adequar e compatibilizar as características do empreendimento ao processo de licenciamento”. Perdemos a memória sobre o que representa iniciar as operações de grandes e complexos empreendimentos. Estamos todos reaprendendo a andar: empresas, consultores, órgãos ambientais e Sociedade Civil. O que não se pode perder de vista é que grandes complexos produtivos não iniciam suas operações de um momento para o outro, a um toque em um botão interruptor. Pré-operar significa afinar, lenta e precisamente, a orquestra da produção. Longos períodos de pré-operação não representam indecisão, excesso de tolerância ou leniência do agente licenciador. Pelo contrário, representam cautela e precaução, exigidos pela sociedade. São uma necessidade para a segurança de sistemas e procedimentos de trabalho complexos, com vistas ao ajuste fino das empresas produtivas. Quanto maior a complexidade, mais tempo e será necessário. No passado do Brasil, isso ocorreu. E isso ocorre em todos os países que vêm experimentando um crescimento industrial mais expressivo do que o nosso.