Já falei algumas vezes nessas linhas que o Licenciamento Ambiental no Brasil virou uma peça arcaica, que demanda reforma urgente. Hoje, não vou mudar o disco. Mas vou concentrar meus argumentos em dois ou três aspectos que mostram essa necessidade.
É sabido que, desde 2004, tramita no Congresso o Projeto de Lei N° 3.729, que tenta ingloriamente amarrar as pontas que ficaram soltas durante a construção do nosso procedimento de licenciamento. Nas idas e vindas desse infeliz e controverso texto, já foram apensados a ele uma coleção de outros projetos, especificamente: o PL 3.957, de 2004; 5.435, de 2005; 5.576, de 2005; 1.147, de 2007; 2.029, de 2007; 358, de 2011; 1.700, de 2011; 2.941, de 2011; 5.716, de 2013; 5.918, de 2013; e 6.908, de 2013. Ou seja, onze textos, flutuando de um polo mais fundamentalista “verde”, até outro de viés ruralista e desenvolvimentista. Representam a pluralidade da nossa jovem democracia.
Pois bem: em 2013, a Confederação Nacional da Indústria realizou um grande e sério levantamento, por meio de suas 27 Federações de Indústrias dos Estados, para que os agentes privados do licenciamento – isto é, os profissionais de meio ambiente que trabalham nas empresas associadas a essas Federações – expressassem a sua opinião sobre a situação atual do Licenciamento Ambiental, a partir de suas experiências reais, do dia a dia. Na qualidade de Diretor de Sustentabilidade de uma empresa associada à FIRJAN, eu fui um desses respondentes. Tive o privilégio de investir cerca de meia hora do meu tempo sobre um questionário bem estruturado e reflexivo que, de forma prática, permitia aos respondentes navegar nos princípios legais que regem esse instrumento, e avistar os monstrengos que brotaram do emaranhado de regulamentos, transformando o Licenciamento Ambiental em um pesadelo diário para quem quer empreender no País. Não custa lembrar que a CNI e suas 27 Federações representam mais de 350 mil empresas brasileiras.
Após a tabulação e análise dos dados, o trabalho foi consolidado por um grupo composto pela CNI, quatro Federações, cinco Associações Setoriais e uma grande empresa. Nasceu assim o relatório “Proposta da Indústria para o Aprimoramento do Licenciamento Ambiental” (CNI, GEMAS – Gerência Executiva de Meio Ambiente e Sustentabilidade. Brasília, 2013), parte integrante de seu “Mapa Estratégico 2013/2022”. O tema compõe também a Agenda Legislativa da CNI, cujo objetivo é levar aos Congressistas os argumentos e o posicionamento da Indústria Brasileira, no que se refere aos projetos legislativos que apresentam interfaces com o setor, positivas ou negativas à sua competitividade. Com a renovação do Congresso a partir de janeiro, creio ser esse um excelente momento para replicar os tais dois ou três pontos pinçados do conteúdo desse relatório. Vários são os temas abordados, mas – a meu ver – esses dois ou três constroem uma linha de argumentação que aponta a necessidade de mudar, que será compreendida mesmo pelo meu leitor que não é especialista no assunto.
Começo com o óbvio: impacto ambiental é o efeito (positivo ou negativo) de uma “coisa” determinada, sobre um “local” definido, em um dado “tempo”. Mudou a “coisa”, o “local” e – certas vezes – o “tempo”, muda completamente o impacto.
Comecemos então pela “coisa”. Posto que “coisas” diferentes causam impactos diferentes, é necessário tornar claro na lei que o licenciamento deve ser conduzido também de forma diferente. Pelas normas atuais, o licenciamento de um empreendimento de menor impacto poderia ser simplificado a critério do órgão licenciador. E isso efetivamente ocorre. O Relatório da CNI admite que “há casos em que o órgão ambiental dispensa a exigência do Estudo de Impacto Ambiental. No entanto, frequentemente há manifestações contrárias do Ministério Público ou ainda liminares judiciais que anulam tal ato do estado. Isto se deve a interpretações equivocadas quanto ao caráter da lista de atividades e empreendimentos sujeitos, a priori, à realização do referido estudo”. Ainda nessa linha, o relatório aponta que um tratamento especial deveria ser dado ao licenciamento de empreendimentos cujos impactos são majoritariamente positivos para a sociedade, como linhas metroviárias e ferroviárias urbanas, vias expressas, geração de energia de matriz limpa, bem como “atividades voltadas para o setor de saneamento ambiental, especialmente aquelas que resultem na universalização do atendimento dos serviços de abastecimento, coleta e tratamento de esgoto doméstico e as que envolvem reuso, reaproveitamento e destinação adequada para resíduos sólidos”. Mas isso, na prática, não ocorre.
Vista a “coisa”, passemos ao “local”. O Relatório da CNI aponta para a necessidade de o licenciamento considerar as peculiaridades e características intrínsecas de cada setor. Como exemplo, reforça que “deve ser dada especial atenção para as atividades de exploração de bens de domínio público, como a extração de minerais metálicos e não-metálicos, a exploração de petróleo e gás e a geração de energia. Essas atividades possuem particularidades e características como rigidez locacional e complexa infra estrutura adjacente, o que demanda procedimentos próprios para o licenciamento”. Parece óbvio que uma mina só possa ser empreendida onde a jazida está… Ou, analogamente, que um loteamento deva ser (ou não ser) empreendido naquele terreno de propriedade do empreendedor… Mas a regulamentação do EIA/RIMA impõe comparação de alternativas locacionais. Indiscriminadamente. Dessa forma, aquilo que configura uma impossibilidade técnica ou prática vira argumento para a judicialização do processo de licenciamento. Devemos lembrar que o conceito de alternativa locacional foi introduzido a partir das metodologias cartográficas desenvolvidas para determinar alternativas de menor impacto para o traçado de projetos lineares, como estradas, ferrovias e linhas de transmissão!
Finalmente, falemos de “tempo”. Vou me permitir não abordar o tempo de duração do impacto (que influencia na sua magnitude), subvertendo o assunto para tratar do tempo de duração do processo. A pesquisa empreendida pela CNI constatou que “o prazo para obtenção de cada uma das licenças nos estados é bastante variável, podendo chegar a 28 meses. Segundo informações obtidas na pesquisa, o prazo para finalizar o processo de licenciamento de empreendimento ou atividade que dependa das três licenças ambientais para operar (LP, LI e LO) pode demorar sete anos para ser concluído. Quanto aos prazos das licenças, a validade da Licença de Operação (LO), por exemplo, varia de um a oito anos”. É verdade que a Lei Complementar no 140/2011 promoveu avanços, quando estabeleceu competências dos entes federativos, descentralizou o licenciamento e definiu prazo de resposta dos órgãos licenciadores. No entanto, em função dos inúmeros órgãos anuentes, “antes de emitir a licença ambiental, os órgãos ambientais estaduais consultam outros órgãos interessados e esperam suas manifestações para dar prosseguimento ao processo, independentemente do cumprimento do prazo estabelecido”.
Diante disso, pergunto: que tipo de resposta pode um gestor de meio ambiente dar ao empreendedor investidor, quando perguntado sobre o prazo e as garantias de licenciamento ambiental do empreendimento pretendido? “A licença sairá de dois a sete anos, se não judicializar…”?! Não há fluxo de caixa ou taxa de retorno de investimento que possa ser calculado tendo por base tamanha incerteza! Isso prova que há necessidade de reformar o sistema, tornando-o mais claro, sob pena de nos afundarmos mais e mais na insegurança jurídica que há muito tempo vem tomando conta do Licenciamento Ambiental. Ou fazemos isso, ou o Brasil se tornará terreno árido e hostil para novos investimentos.