Em todas as empresas em que trabalhei como executivo ou consultor em gestão de meio ambiente, uma das questões mais recorrentes e críticas para obter bons resultados sempre foi a fluência nas relações e na comunicação entre “pessoal de operação” e “pessoal de meio ambiente”. É comum haver distâncias abissais entre as culturas desses dois “blocos”. Quase como se falassem idiomas diferentes, a exigir um trabalho de tradutor-intérprete para que as ideias se afinem e as coisas comecem a fluir. Uma palavra é a alegoria desse cisma entre áreas: ‘Ozomi‘. Não, prezado leitor, não é mais um daqueles vocábulos em japonês que você ouviu nos cursos de gestão da qualidade – imortalizados a partir da ida dos americanos William Edwards Deming e Joseph Moses Juran para o Japão, no esforço de pós-guerra dos anos 1950… ‘Ozomi‘ é uma palavra que se aplica singelamente, na forma do seguinte diálogo (ou melhor, da falta dele):
Operador-líder para a equipe: “Gente, esconde aí a sujeira porque lá vêm ‘Ozomi’ do meio ambiente!”…
Técnico ambiental para seu gerente: “Chefe, não vi nada, mas acho que ‘Ozomi’ da operação varreram para debaixo do tapete!”…
‘Ozomi‘ são os caras do “outro time”. Uns são “a polícia”, outros são “os bandidos”, como na brincadeira infantil. Na verdade, o que parece um jogo de pega-pega constitui no maior dos infernos para a construção de um sistema de gestão ambiental funcional. Devemos lembrar sempre que quem faz o trabalho ambiental nas empresas não é a equipe de meio ambiente, muito menos o gerente ou encarregado pela área na organização. Quem realmente faz a diferença é o operador de máquina, do turno da noite, às 3 horas da madrugada do sábado de Carnaval! Se essa pessoa não souber o que deve e o que não deve fazer para que sua tarefa não comprometa o meio ambiente, não há time de meio ambiente em horário administrativo – de segunda a sexta – que dê jeito!
Gosto de esclarecer essa dinâmica de relacionamento por meio de uma apresentação de um único slide (baixe nesse link), que busca destrinchar o ‘gap‘ de comunicação que ocorre rotineiramente nas organizações. Chamo esse diagrama de “Quatro Degraus para o Paraíso”. Basicamente, ela sintetiza a desejada evolução nas relações entre áreas operacionais e de meio ambiente dentro das corporações, desde o “Inferno total”, passando pelo “Inferno” e pelo “Purgatório”, para chegar ao “Paraíso”. Trata-se de uma caricatura. Caricaturas exageram pontos marcantes, e têm por objetivo apontar que eles existem. Assim, os passos dessa nossa escada para o paraíso seriam os que se seguem.
Degrau 1 – “POLÍCIA X BANDIDO”: INFERNO TOTAL!!! Os “caras do meio ambiente” agem como policiais; os “caras da operação” reagem, e escondem eventos, fragilidades e problemas dos “caras do meio ambiente”. Os “caras do meio ambiente” promovem ‘blitz’ frequentes, e apresentam seus “relatórios de ronda” à Diretoria. A relação é de conflito. A postura policialesca da área ambiental impede as oportunidades de interação entre as áreas. Ameaçado pelo gestor ambiental (que consegue apoio da Diretoria), o gestor médio de operação diz ao seu time: “tô sendo apertado pela chefia pra não ter confusão nessa estória de meio ambiente! Não quero saber de ocorrência ambiental na minha área! Não quero saber de acidente, de poluição, essas coisas, está claro?”. Resposta do grupo: “Pod’exá, chefia!… ‘Xá com a gente!”. E o gestor vai conseguir: ele NÃO VAI SABER!… O grupo vai esconder ou subnotificar as ocorrências. Sem gerir as pequenas, a organização fica muito mais susceptível ao risco das grandes ocorrências. É fundamental quebrar esse círculo vicioso. Nos meus anos de experiência, vi muito mais resistência por parte das equipes de meio ambiente do que das equipes operacionais em promover essa mudança…
Degrau 2 – “O FAXINEIRO”: melhor, mas AINDA INFERNO! Os “caras do meio ambiente” são chamados pelo supervisor de operação depois que o incidente ambiental já ocorreu, e são solicitados a “limpar essa bagunça”; os “caras do meio ambiente” reagem furiosos e culpam os “caras da operação”. Quem não conhece alguém que viveu essa cena: sexta-feira, cinco e meia da tarde, o turno administrativo preparando-se para ir para casa e aproveitar o final de semana, o telefone toca, e o supervisor da destilação informa: “Chefia, vazou óleo aqui na planta. Arrisca chegar no rio… Manda aí seu pessoal com as barreiras e aquele pozinho absorvente… Mas vem rápido, viu chefia?”… Já vi muito gestor ambiental experiente perder as estribeiras, dizer que não é faxineiro, que o supervisor que se vire, “não quero nem saber!”… Essa não é uma reação aceitável. ‘Ozomi‘ do meio ambiente devem entender que esse é o primeiro passo positivo. Afinal, o supervisor não varreu para debaixo do tapete… Meu conselho: ligue para sua cara metade, informe que não vai chegar tão cedo, engula em seco e vá ajudar o supervisor.
Degrau 3 – “DIVIDINDO A CULPA”: bem vindo ao PURGATÓRIO! Imediatamente antes de uma manobra que pode causar um incidente ambiental, o supervisor da operação telefona para o “cara do meio ambiente” para “pedir permissão”: “Chefia, vou ter que fazer, daqui a quinze minutos, uma manobra de válvula que vai descartar o efluente sem tratamento no rio. Se eu não fizer isso, vai parar a produção! Tô ligando para pedir a autorização do meio ambiente”. Esse passo é crítico! É lógico que você não pode autorizar. Mas a sua resposta vai determinar se avançamos para o Degrau 4 (reação imediata de ajuda) ou se voltamos para o Degrau 1 (reação “de polícia” ou “não quero saber!”)… Meu conselho ao gestor ambiental: informe ao supervisor que você e sua equipe estão imediatamente a caminho. Informe à Diretoria sobre a crise, e que – talvez – você tenha que mandar parar a produção. Convoque emergencialmente os gestores das áreas envolvidas. Reúna-os no local em que os fatos estão ocorrendo. Pensem juntos nas alternativas possíveis. Se não houver outra, pare a produção! Você e sua diretoria não irão para a cadeia (eles entenderão…). E, no dia seguinte, a manchete da “rádio-corredor” será: “meio ambiente parou a produção! O assunto é sério!”. Ah, sim: não se esqueça de avisar – de novo – à cara metade que você vai virar 36 horas no ar…
Degrau 4 – “Responsabilidade comum”: Chegamos ao PARAÍSO!!! Se você – Gestor ambiental – chegou até aqui, os times responsáveis por mudanças de processo, layout, tecnologia, matérias primas, especificações de projeto, manutenção crítica, manutenção preventiva e preditiva, bem como os gestores de operação, estarão convidando você e o seu pessoal para apoiá-los, desde as primeiras discussões, com a devida antecedência. Há tempo suficiente para planejar as ações que previnem incidentes ambientais. A equipe de meio ambiente é vista como PARTE DA SOLUÇÃO, e não como PARTE DO PROBLEMA! Os gestores de operação têm os assuntos relacionados ao meio ambiente discutidos nas suas reuniões de rotina (de preferência, como um dos primeiros tópicos da reunião). A confiança foi conquistada (mas lembre-se que tem que ser mantida)! Para chegar até aqui, você e sua organização tiveram que subir todos os degraus da escada. A subida é não linear, mas não há atalhos para pular degraus. Ao contrário, os degraus são lisos, sujeitos a tombos… Retroceder é mais fácil que avançar.
Fato é que a gestão ambiental de todas as organizações situa-se entre esses quatro degraus. Lembre-se que áreas diferentes dentro da organização podem estar em degraus diferentes. E que o resultado geral da organização é, necessariamente, o da sua PIOR ÁREA. Quanto mais homogênea puder ser a ascensão de todos, menos arriscado será subir a escada. No próximo post, veremos quais são os quatro degraus das relações entre empresa e comunidades vizinhas.