Em agosto de 2009, grandes empresas brasileiras se reuniam em São Paulo, no seminário “Brasil e as Mudanças Climáticas: Oportunidades para uma Economia de Baixo Carbono”. Lançavam – pela primeira vez – um posicionamento do setor privado do país com referência às mudanças climáticas. Em dezembro do mesmo ano, em Copenhague, Dinamarca, ocorreria a lendária COP 15, aguardada com grandes expectativas de resultado. Naquele momento, o Brasil fazia parte do bloco das nações para as quais não se previa a adoção de metas de redução de emissões (chamadas “não-Anexo I”). Os mecanismos de desenvolvimento limpo (MDL) e as implementações conjuntas (IC) compunham as ferramentas, arquitetadas sob a égide do Tratado de Kyoto. Haviam sido construídas com forte protagonismo da diplomacia brasileira, idealizadora do conceito de que deveria haver, para com o clima, “responsabilidades comuns, porém diferenciadas”. Os países desenvolvidos teriam metas, e os instrumentos poderiam patrocinar o desenvolvimento limpo das nações menos abastadas.
Em evento paralelo da COP 15, as empresas brasileiras apresentaram de forma transparente sua CARTA ABERTA AO BRASIL SOBRE MUDANÇAS CLIMÁTICAS, onde assumiam metas e compromissos voluntários, contribuição aos esforços globais de combate às mudanças climáticas. Entre esses compromissos: (i) publicar anualmente inventário das emissões de gases de efeito estufa; (ii) ter baixo carbono como orientação estratégica no processo decisório de investimentos; (iii) reduzir continuamente emissões específicas de GEE e o balanço líquido de emissões de CO2; (iv) incentivar a redução de GEE na cadeia de suprimentos; e (v) engajar empresas e stakeholders para mapear os impactos das mudanças climáticas e as ações de adaptação necessárias.
Além disso, as 27 empresas e 7 organizações signatárias daquela Carta propuseram ao Governo Brasileiro que assumisse na COP 15 uma posição de liderança nas negociações de metas claras de redução global de emissões; defendesse a simplificação e a agilidade da implementação do MDL, com elegibilidade pela comprovada redução de emissões; e apoiasse a criação de um mecanismo de incentivos para a redução das emissões por desmatamento e degradação florestal (REDD), que incluísse conservação e manejo florestal sustentável. Em nível nacional, a Carta sugeria outras seis ações, cobrindo desde a publicação trienal do Inventário Nacional de GEE, até a formatação de políticas de apoio aos povos da floresta, produtores rurais, empresas e instituições, para conservação e manejo sustentável de florestas no âmbito do REED.
Havia clareza e alinhamento de rumos. Buscavam-se OPORTUNIDADES, que fortaleceriam o desenvolvimento sustentável do Brasil. A carta foi bem recebida pelo então Ministro do Meio Ambiente Carlos Minc e pelo embaixador Luiz Figueiredo Machado, que chefiava a delegação brasileira. O Governo Brasileiro acolheu muitas sugestões. O Brasil apresentou seu compromisso nacional voluntário de redução de emissões de GEE, assumindo a vanguarda entre as partes “não-Anexo I”. Em seguida, instituiu a Política Nacional sobre Mudança do Clima – Lei no 12.187/2009 – que previa a redução das emissões do país entre 36,1% e 38,9%, das emissões projetadas até 2020, quando comparadas às de 2005.
Seis anos depois, em agosto de 2015, mais uma vez com articulação do Instituto Ethos e suporte do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), a expectativa da COP 21, em Paris, mobilizou presidentes de grandes grupos empresariais e organizações ligadas à economia de baixo carbono, integrantes do “Fórum Clima – Ação Empresarial sobre Mudanças Climáticas”, a produzirem novo posicionamento conjunto, intitulado “CARTA ABERTA AO BRASIL SOBRE MUDANÇA DO CLIMA – 2015” e subscrito por 47 organizações.
Dessa vez, o documento foi formalmente entregue à então Ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, acompanhada do Ministro da Fazenda à época, Joaquim Levy. Durante a cerimônia, o setor produtivo brasileiro mostrou aos Ministros que chefiariam essa missão que negociou o Acordo de Paris as contribuições que, novamente, se dispunha a oferecer, em prol do esforço global de redução de emissões de GEE. Além de reafirmar todos os compromissos de 2009, a nova Carta comprometia cada signatário a: (i) definir metas de redução de emissões de GEE e aumento da eficiência energética; (ii) investir em inovação em produtos e processos que otimizem recursos e reduzam GEE: (iii) atuar proativamente na promoção da economia de baixo carbono; e (iv) banir de suas cadeias de fornecimento produtos oriundos de desmatamento ou exploração ilegal.
Como sugestões ao Governo, as mais importantes dessa nova Carta recomendavam a defesa de um limite de emissões globais de GEE a longo prazo, a criação de um mecanismo multilateral de precificação do carbono, bem como a apresentação, pelo Brasil, de sua Contribuição Nacionalmente Determinada (INDC), com metas de redução ou limites específicos de emissões para o período pós-2020, visando a manter as emissões per capita brasileiras abaixo da média global, visando a zerar as emissões líquidas de GEE até 2050. No âmbito nacional, as empresas signatárias recomendaram AÇÕES CONCRETAS para reverter a queda na participação das fontes renováveis na matriz energética brasileira, para incentivar a inovação e a tecnologia em favor de processos produtivos eficientes, para assegurar o acesso a capital para promoção de uma economia de baixo carbono e para estimular a mitigação e adaptação à mudança do clima nas cidades brasileiras.
Mais uma vez, empresas, governo e sociedade civil puderam chegar a bom termo. Com forte participação brasileira, o acordo de Paris propôs dois instrumentos de mercado, que se aplicam ao balanço das metas autodeclaradas (NDC), agora para todos os países signatários, com o objetivo de limitar o aumento de temperatura à faixa de 1,5 a 2oC. Tais mecanismos são a comercialização entre países de resultados de mitigação internacionalmente transferidos (ITMO) e uma proposta para transações de créditos de carbono entre entes públicos e privados. Previstos no Artigo 6º do Acordo de Paris, a regulação destes mecanismos e a revisão das NDC dos países devem ter destacada importância na COP 26, novembro próximo, em Glasgow, Escócia.
Na iminência da COP 26, vemos as empresas e organizações brasileiras prepararem um novo pronunciamento, sob a coordenação do CEBDS: a carta aberta “POSICIONAMENTO EMPRESÁRIOS PELO CLIMA”. Dessa vez, são 107 signatários. Dessa vez, o tom surge muito mais grave e urgente. E aponta mais RISCOS, embora ainda reconheça OPORTUNIDADES. A proposta parte da ideia de que “o mundo precisa, COM URGÊNCIA, caminhar para uma economia de baixo carbono”. A premissa é de que o Brasil possui recursos naturais e capacidade, que lhe conferem “vantagens comparativas extraordinárias” na busca por uma economia de emissões líquidas de carbono neutras. A proposta é a AÇÃO IMEDIATA para que o Brasil: (i) retome o protagonismo nas negociações de clima; (ii) discuta os mecanismos de apoio ao objetivo de carbono neutro; (iii) adira a metas baseadas em conceitos científicos (Science Based Targets) e práticas de transparência financeira (Task Force on Climate-Related Financial Disclosures); (iv) promova uma retomada “verde” no pós COVID-19; (v) reduza as emissões de GEE em até 42% já em 2025, em relação aos níveis de 2005; (vi) utilize o RenovaBio e a recém-aprovada política de pagamento por serviços ambientais – PSA, e desenvolva um mercado voluntário e regulado de carbono no país, para o atingimento das metas; (vii) construa uma trajetória de claros objetivos climáticos, evitando ser excluído da nova ordem climático-econômica que se consolida mundialmente; e (viii) – EXTREMAMENTE RELEVANTE – estruture o COMBATE INTEGRAL E INEQUÍVOCO AO DESMATAMENTO ILEGAL DA FLORESTA AMAZÔNICA E DE OUTROS BIOMAS BRASILEIROS.
Teremos consenso? Podemos esperar que a atuação de Governo na COP 26 que se aproxima seja sensível aos compromissos manifestados, mais uma vez, pelo segmento econômico e pelas organizações da Sociedade Civil afeitas às questões climáticas?
De fato, esse consenso ainda é obra em construção. Fato é que não se pode mais esperar. Posições negacionistas só podem prejudicar os negócios do Brasil, além de colocar em risco a fina teia que ainda mantém algum equilíbrio no clima do planeta. O custo de oportunidade de qualquer ação tomada AGORA é incomparável aos muito trilhões de dólares antevistos como custos de mitigação e adaptação. Para todas essas empresas, que vêm há tantos anos se envolvendo com a matéria, ciosas que são pela sobrevivência e sustentação de seus negócios em um ambiente global cada vez mais avesso a modelos de alto carbono, o que resta é a esperança de que o Governo Brasileiro compreenda os riscos e as fragilidades, escute com atenção o segmento produtivo, seus cientistas e sua experiente diplomacia, e permita que o Brasil ressurja na COP 26 como grande protagonista climático pelo que sempre se destacou.