Conforme prometido na semana passada, nossa conversa de hoje fala também de quatro degraus para o paraíso – só que, dessa vez, o assunto central são as relações de novos empreendimentos com as comunidades vizinhas. Uma questão crítica que não deve sair do radar dos gestores de implantações e de novas operações. Durante a instalação e a partida, há tanto o que fazer e decidir que, muitas vezes, esquecemos que nós somos os “novos garotos do quarteirão”. A comunidade ao lado já estava lá. Vivia sua vida muito bem sem nós. No meio do turbilhão da implantação, parece-nos óbvio o que fazemos. Sabemos o que somos e o que seremos, em que estágio estamos, o que (e como) vamos produzir quando a obra estiver concluída. Seguimos os planos e prazos inseridos no MS Project ou no Primavera. Sabemos quais impactos devem ser esperados. Sabemos que geraremos empregos. E impostos. E, talvez, alguns incômodos (trânsito, ruído e que tais). Nós sabemos. Nossos vizinhos, não…
O maior erro que se pode cometer é acreditar que o vizinho sabe, e que o fato de gerarmos emprego, renda, impostos, etc., é motivo suficiente para que o vizinho fique muito feliz com a nossa chegada. “Afinal, depois que nosso empreendimento começar, a vida de todos vai melhorar!”. “Afinal, já fizemos aquelas três audiências públicas no licenciamento ambiental!”. Não é bem assim. O principal inimigo é a expectativa. Há uma equação que define a “felicidade” como sendo o resultado da subtração entre “realidade” e “expectativa”. Se o real é maior do que o esperado (seja porque é melhor mesmo, seja porque a expectativa era pequena), o resultado tende a ser “felicidade”. Se a expectativa é maior do que o real, o resultado dessa conta é negativo, traduzido em “frustração”. Por vezes, “temor”, ou ainda ”raiva”. Parece que a saída para o gestor de implantações passa a ser a necessidade de calibrar a expectativa dos vizinhos, para que ela se aproxime ao máximo da realidade que virá. Tanto no que diz respeito às coisas boas, quanto às coisas ruins associadas à nossa presença. E esse movimento precisa ser contínuo. Se não for, é no interregno que se formam as expectativas apartadas da realidade…
Como fizemos na semana passada com a gestão ambiental, também a dinâmica de relacionamento com a comunidade pode ser traduzida em uma apresentação de um único slide (baixe nesse link), que busca entender de que forma a comunicação das organizações com seus ‘stakeholders’ (e vice-versa) evolui. O diagrama dos “Quatro Degraus para o Paraíso” sintetiza a desejada evolução nas relações entre a corporação e seus vizinhos, desde o “Inferno total”, passando pelo “Inferno” e pelo “Purgatório”, para chegar ao “Paraíso”. Novamente, trata-se de uma caricatura. Como já dissemos, caricaturas exageram pontos marcantes, e têm por objetivo apontar que eles existem. Assim, os passos dessa nossa escada para o paraíso seriam os que se seguem.
Degrau 1 – “O INIMIGO”: INFERNO TOTAL!!! Somos o desconhecido. O novo vizinho fechado em seus muros. Fizemos algumas reuniões públicas formais, durante o licenciamento da obra, mas a comunidade não nos conhece de fato. Eles não confiam em nós. Não nos identificam como vizinhos. Eles reclamam dos transtornos da obra. Como nós não nos comunicamos com frequência, outros agentes já trataram de espalhar boatos negativos a nosso respeito. Uma banca de advogados instalou-se na rua em frente…
Degrau 2 – “O SACO DE DINHEIRO”: melhor, mas AINDA INFERNO! A comunidade e o governo local têm algumas informações sobre nosso empreendimento, e passam a nos identificar como uma “oportunidade”. Grupos específicos tentam obter recursos da empresa para atender as suas necessidades pessoais. Nosso relacionamento não é constante, nem satisfatório. Nós nos sentimos “assediados”, nas cordas do ringue, e assim pagamos por tudo, desde camisas do time de futebol até o aparelho de Raio-X do Posto de Saúde. Fazemos assim para nos vermos livres do assédio, para “agradar”, mas os pedidos não param de chegar. A lista das “compensações” parece não parar de crescer…
Degrau 3 – “PARCEIROS”: estamos no PURGATÓRIO! A comunidade e o governo local nos conhecem melhor, e nós também os conhecemos um pouco mais. Identificamos as lideranças locais (as reais e as autodesignadas…) pelo nome. A palavra do momento é “parceria”. No fundo, continuamos a pagar a conta. Nós ainda não definimos uma linha clara de Investimento Social Privado (ISP) para a Companhia. Ou se temos uma, temos ainda o mau hábito de nos desviarmos dela. Ainda é muito difícil dizer “não” com critério. Os pedidos variados continuam chegando sem parar… Cadeiras de roda, dentaduras, aulas de música, teatro e balé para as crianças…
Degrau 4 – “O ALAVANCADOR”: Chegamos ao PARAÍSO!!! Ou perto dele. Existem linhas claras que definem nosso posicionamento em ISP. Temos um foco: há aquelas linhas de ação que cabem e as que não cabem no nosso direcionamento estratégico. É nisso que investimos! Temos fortes argumentos – internos e externos – para decidir, e dizer “não”, se necessário for. Menos dinheiro é demandado para levantar projetos sustentáveis, e alavancamos financiamentos externos, multiplicando a percepção sobre o nosso desempenho em ISP. Benefícios fiscais inerentes também podem ser capturados. Temos resultados perceptíveis e mensuráveis. A empresa é percebida como boa vizinha, PARTE DA SOLUÇÃO, e não como PARTE DO PROBLEMA! Aqui também a subida não é linear, mas há um atalho para pular degraus chegando ao topo: o devido planejamento, definição e divulgação do posicionamento. Para dentro e para fora. Seguido de pactos claros, onde os “sim” e os “não” ficam claros para todos os pactuantes. Isso feito, há boa chance de que a confiança dos vizinhos seja conquistada. Mas lembre-se que tem que ser mantida. Construir reputação é difícil. Perdê-la, em um deslize, é muito fácil. Por isso, o “ou perto dele”: esse paraíso é instável…
O relacionamento de todas as organizações com seus ‘stakeholders’ mais diretos situa-se entre esses quatro degraus. Sob a perspectiva – é claro – da empresa. Não da parte interessada com quem a empresa quer se relacionar. Relacionamento é via de duas mãos. Pense, portanto, no ponto de vista dos vizinhos, abra as portas, traga-os para dentro da empresa. E não se esqueça dos empregados. Lembre-se que são eles os primeiros “embaixadores” da organização. Se eles reforçam o posicionamento da empresa quando vão para casa ou quando encontram os amigos no final de semana, e se eles conhecem o foco de ISP adotado, disseminam uma visão positiva da marca e ajudam a orientar os relacionamentos de vizinhança. Quanto mais os empregados conhecerem e participarem da estratégia, mas fácil e rápido será subir a escada.