Havia aquela famosa piada de engenheiros. Certo dia, numa fábrica, o engenheiro de segurança percebeu em sua ronda que uma gaxeta de uma tubulação estava pingando. O chão, molhado, representava risco de acidente. Rapidamente, o engenheiro de segurança cercou o local com uma fita zebrada, e colocou o cavalete amarelo, onde se lia: “cuidado, piso molhado!”. No dia seguinte, o engenheiro ambiental passou pelo local. Viu que o líquido corria livre até uma canaleta, que dava na galeria pluvial. Preocupado com a possível poluição, abriu um projeto de investimento, e a área de engenharia construiu uma bacia de contenção. O tempo passou, e um engenheiro de automação verificou que a bacia estava ficando cheia. Diligente, projetou e instalou um medidor de nível, intertravado a uma bomba no computador de processo, de tal forma que a bomba seria automaticamente acionada sempre que a bacia atingisse dois terços de seu volume. O engenheiro de sistemas reprogramou o PLC, para incluir a nova tela, com a opção de operação em “automático” ou em “manual”. O engenheiro de produção percebeu boa oportunidade de redução de custos pela reutilização do líquido vazado. Instalou então uma tubulação levando a um tanque de aço inoxidável, para receber o fluido bombeado a partir da bacia. O engenheiro de processo percebeu que o fluido vazado contaminava-se em contato com o chão. Projetou então um conjunto separador, complementado por um filtro multimídia. As adaptações sucessivas custaram à empresa exatos USD 3 milhões, devidamente contabilizados como CAPEX pela Controladoria… só que bastava ter trocado a gaxeta, a um custo de manutenção de R$ 3 mil…
No dia a dia das fábricas, essa alegoria – por exagerada que pareça – aproxima-se às vezes da realidade. Complicamos as coisas simples. Tomamos ações e decisões que atacam os efeitos, e não as causas dos problemas. Lembro-me de uma empresa em que trabalhei, assolada por infindáveis problemas financeiros. Detentora de uma dívida impagável, em função da alta alavancagem original, da sua baixa escala de produção e dos preços declinantes do produto, essa empresa mantinha em sua cultura o axioma de que nenhum investimento podia ser feito, já que não havia caixa. Nessa fábrica, literalmente, TODAS as gaxetas vazavam. Via-se por todo lado um verdadeiro circo dos horrores de válvulas e conexões amarradas com trapos e camisetas de malha. A fábrica zumbi! Havia, na área de manutenção, a ideia formada de que não se podia comprovar aos acionistas a necessidade do reparo. Instalação antiga, a fábrica não possuia medidores de vazão nos dutos dos vários fluidos perdidos. Pela configuração peculiar da planta industrial, não tínhamos seções retas de dutos que permitissem a medição da vazão por instrumentos externos, cujo serviço poderíamos eventualmente contratar.
Minha pergunta soou como heresia: “Minha gente, temos balde e cronômetro?”. Meus amigos engenheiros fitavam-me com um misto de surpresa e desprezo. “Para que você quer balde e cronômetro, criatura?!”. Simples: posicionando um balde de 10 litros em baixo da goteira, seria possível cronometrar em quanto tempo ele se enchia do fluido que vazava. Com isso, poderíamos calcular – grosso modo, sem a nossa adorada precisão de cinco casas decimais, é verdade – o volume de material perdido. Multiplicando-se pelo valor ou custo de produção do líquido desperdiçado, era possível, sem muito esforço mas aproximadamente, calcular qual seria a perda financeira por unidade de tempo. Confrontando esse número com o custo da manutenção necessária, era possível se obter uma boa ordem de grandeza do payback do investimento. Comparando o custo e o retorno de todas as manutenções necessárias, seria possível ordenar as intervenções por prioridade, de forma que resultassem em geração de caixa, na veia.
Resultado da brincadeira: descobrimos que alguns custos de manutenção se pagavam até em 20 minutos! Comprovado o retorno imediato, estava quebrado o paradigma de que a empresa não tinha dinheiro para manutenção da fábrica. Balde e cronômetro viraram os “instrumentos de precisão” essenciais do “Programa de Redução de Perdas e Desperdício” (essas coisas merecem ser batizadas com um nome bacana…). Não precisava precisão. Tratava-se de conter a sangria de dinheiro que estava indo, literalmente, para o ralo! A Diretoria definiu que manutenções com payback em até seis meses seriam realizadas imediatamente, e que as ações com retorno financeiro em até dois anos deveriam ser levadas para discussão nas reuniões semanais. Em menos de três meses, os trapos e camisetas de malha já sumiam da paisagem. E o custo operacional baixava consistentemente (e também o ambiental!).
Por vezes, o que é óbvio está tão perto de nós, que fica difícil enxergarmos. Lembro-me das aulas que assisti, em meados da década de 1980, com o Professor Vicente Falconi, da então Fundação Christiano Otoni. Falava esse papa nos sistemas de qualidade: “gestão é o exercício do óbvio”. Só que ninguém se contenta em fazer o óbvio. Quando se trata de enfrentar problemas, Falconi nos sugeria a identificação precisa das causas que, segundo ele, “no fim das contas, só podem ser de três naturezas: ou não tem procedimento, ou o procedimento não presta, ou não cumpriram o procedimento”. Nesse caso, faltava um procedimento pouco usual – impreciso, é verdade – e, talvez por isso, meio incompatível com os modelos mentais de um engenheiro. Invejo a precisão dos engenheiros. Mas, diante daquela circunstância de penúria, havia de se quebrar o paradigma.
Faz tanto tempo que estou envolvido com as engenharias, que meus amigos engenheiros costumam me perguntar: “Luiz, qual é sua área original de formação? Civil? Mecânica? Elétrica?”. Eu respondo: “sou biólogo…”. A reação mais frequente: “Nossa! Mas você parece engenheiro…”. Acho que é um elogio. Espero que sim…