Ao longo da minha vida como executivo e consultor, fui abordado várias vezes por CEOs e clientes estrangeiros (e brasileiros também), completamente perdidos quando o assunto é entender os mecanismos de funcionamento de um órgão de licenciamento ambiental no País. Em qualquer esfera de governo. “Fale com o chefe deles! Vamos marcar uma reunião com o Presidente/Governador/Prefeito para resolver esse assunto de uma vez por todas!”, dizem eles. Sempre que isso ocorreu, fui obrigado a mostrar-lhes uma apresentação que preparei especialmente para essas ocasiões. Nela descrevo graficamente os pontos que enumero a seguir.
- O Presidente da República, o Governador e o Prefeito são detentores de cargos eletivos. Primeiro escalão da administração, acreditam em comando e hierarquia, podem destituir (e, por vezes, destituem) seus subordinados imediatos, nomeados em cargos comissionados. Como há escalões inferiores de decisão, estão menos submetidos às pressões do Ministério Público. Desenvovimentistas, têm normalmente a mentalidade de que a licença ambiental deve ser concedida, e que ela constitui apenas mais uma etapa no processo de instalação de um empreendimento. Por essas razões, são mais afeitos a entender a língua dos empreendedores.
- O Ministro e os Secretários de Meio Ambiente, de forma geral, acompanham a linha de pensamento de seu superior. Normalmente, têm em mente que devem conceder a licença ambiental dos empreendimentos, desde que isso não constitua grande crise de imprensa ou judicialização. Mais técnicos do que seus chefes políticos, vão buscar equacionar o licenciamento, garantindo a maior rapidez possível, protegendo os interesses do governo e procurando não expor seus subordinados a riscos.
- O Presidente do órgão licenciador e seu diretor de licenciamento são ambos fortemente pressionados pela hierarquia superior, na medida em que detém cargos de indicação política. Podem ser destituídos de sua função. Por outro lado, estão bastante submetidos à pressão da imprensa e do Ministério Público. Correm risco pessoal de processos criminais envolvendo suas decisões no licenciamento. No geral, entendem que devem conceder a licença ambiental no interesse do Governo, mas tomarão todos os cuidados para se preservarem. Ao mesmo tempo em que a hierarquia superior os pressiona, não podem desconsiderar as posições técnicas de suas equipes, sobre as quais não têm total controle. Os mais carismáticos influem na opinião de suas equipes. No entanto, não possuem a autoridade para simplesmente desdizer um parecer técnico produzido por qualquer membro dessas equipes.
- Coordenadores técnicos e a equipe que analisa os estudos prévios de impacto ambiental são funcionários de carreira, concursados. Possuem estabilidade funcional, ou seja, não podem ser demitidos – a menos em casos de comprovada improbidade, ou em algumas poucas circunstâncias em que a demissão se dá “para o bem da administração pública”. Essa estabilidade lhes confere independência técnica, desobrigando-os da hierarquia. Caso sejam coagidos pelos chefes a mudar pareceres técnicos, nada os impede de relatar ao Ministério Público, com os consequentes riscos para o superior. Chefias não criam caso com subordinados. No governo, o subordinado de hoje pode ser o chefe de amanhã… A mentalidade é, portanto, dar parecer favorável somente se tudo estiver certo, todas as informações disponíveis, todos os impactos avaliados e mitigados, o que – por vezes – não é a prática dos empreendedores…
- O Ministério Público é independente, e fiscaliza com pente fino todos os licenciamentos de grandes empreendimentos.
Diante desse quadro, o que posso recomendar aos meus clientes? Em primeiro lugar, desistam do rolo compressor. Se você pedir ao Todo Poderoso, ele exercerá pressão, e dirá que tudo está sob controle. Mas não será a pressão sobre o chefe de governo, o detentor da pasta do meio ambiente ou o presidente do órgão licenciador que definirá ou agilizará a emissão de uma Licença Ambiental. A receita do sucesso tem por base um relacionamento técnico adequado com as equipes de base do órgão licenciador, que avaliam os estudos ambientais. Esses técnicos – no final das contas, pessoalmente responsáveis pelos pareceres que orientarão a emissão ou não da licença – precisam estar bem informados (cofiantes e confortáveis com as informações) acerca do projeto e seus impactos, e da eficiência dos controles instalados.
Os recentes contratos em regime turn-key (nos quais o projeto e as soluções variam de fornecedor para fornecedor participante de um certame, e só se definem após a contratação) fez com que as Licenças sejam solicitadas antes de se definir o que será construído, e – em alguns casos piores – até mesmo onde! Ora, o impacto ambiental é o efeito da implantação de um conjunto de objetos definidos sobre um local determinado. Variando o que será feito ou o local da implantação, os impactos serão diferentes! Recomendo sempre que os estudos ambientais necessários à solicitação de Licença Prévia só sejam realizados após um certo estágio de maturação do projeto (a que poderíamos chamar “projeto conceitual avançado”), quando a localização e algumas definições fundamentais de tecnologia já chegaram a um freezing point. Alterações menores poderão ocorrer, e serão contempladas nos estudos que antecedem a Licença de Instalação, na segunda etapa do Licenciamento. Mas não cabem mudanças conceituais ou geográficas radicais. Se ocorrerem, o empreendedor deve entender que o licenciamento retorna à estaca zero. É bom lembrar: quanto mais detalhado o projeto, mais fácil será licenciar.
Finalmente, recomendo que jamais exerçam pressão nas instâncias superiores para a agilização do Licenciamento enquanto o projeto se encontra sob análise pela equipe técnica do órgão licenciador. Nessa etapa, o empreendedor e seus consultores podem e devem colocar-se à disposição, para a prestação de esclarecimentos ou complementação de informações. Essa disponibilidade ajuda a análise. A pressão, por outro lado, pode conduzir o analista do órgão licenciador a solicitar informações complementares, procrastinar, ou mesmo decidir radicalmente pelo indeferimento da licença. Alguma pressão só pode ser feita para a solução de gargalos de burocracia, após a conclusão da apreciação técnica do projeto e dos estudos ambientais. Nesse caso, começando pelas instâncias mais baixas, e subindo progressivamente. Afinal, você gostaria que reclamassem de você ao seu chefe? Seguir essa linha faz com que melhorem as chances de licenciar, no menor tempo e com a maior segurança jurídica possíveis.