Maio de 1980. Recebíamos com entusiasmo a informação de que o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) havia assinado um convênio com a FEEMA – à época, órgão ambiental do Estado do Rio de Janeiro – para que conduzíssemos um estudo amplo. O objetivo seria escolher quais metodologias de Avaliação de Impactos Ambientais seriam adequadas para serem introduzidas no arcabouço institucional e legal do Estado, e consequentemente do País. O assunto era novo, como também era a FEEMA, criada em 1975 por profissionais jovens e ideologicamente comprometidos com a nascente questão ambiental. Pioneira, a FEEMA já tinha implantado um Sistema de Licenciamento de Atividades Potencialmente Poluidoras (SLAP), dentro do qual a realização de um Relatório de Impactos sobre o Meio Ambeinte (RIMA) já era pré-requisito para a aprovação de grandes empreendimentos.
Vivíamos o início da “Abertura Política” do governo Figueiredo. Menos de um ano antes, em agosto de 1979, a Lei da Anistia era sancionada. Cinco anos ainda nos afastavam do movimento pelas “Diretas Já”, e oito da promulgação da futura Constituição que restauraria a ordem democrática no Brasil. Ou seja, vivíamos ainda em um regime fechado, com direitos restritos. Nessa época, as decisões sobre a implantação de empreendimentos produtivos e de infraestrutura vinha do governo central, top-down, sem qualquer mecanismo participativo. Todos os grandes projetos eram avaliados pelos organismos empreendedores sob duas perspectivas: viabilidade técnica de engenharia e viabilidade econômico-financeira. Aos agentes privados, cabiam industrias de transformação e empreendimentos imobiliários. À grande sombra da Segurança Nacional, o governo empreendia nos campos de infraestrutura, mineração dita “estratégica”, petróleo e indústria de base.
O Grupo de Estudos Ambiental (GEA) da FEEMA, comandado pela arquiteta Iara Verocai, foi destacado como o núcleo condutor do programa com o PNUMA. Nosso pensamento era o de somar, de forma metodologicamente consistente, o vetor ambiental ao estudo de viabilidade técnica e de engenharia. O objetivo era trazer para dentro da análise técnica dos projetos os melhores controles ambientais (a custos razoáveis, que não inviabilizassem economicamente o empreendimento), de tal forma que aquela operação pudesse ter seus impactos ambientais mitigados o tanto quanto fosse possível. Com isso, teríamos projetos lucrativos, eficientes em suas engenharias e ambientalmente ajustados o mais possível. O foco era a mitigação dos impactos pela adição da tecnologia mais apropriada (e viável).
As metodologias disponíveis vinham sendo desenvolvidas principalmente nos meios acadêmicos. Através do convênio com o PNUMA, tivemos acesso aos melhores professores e consultores, que nos apresentavam desde métodos “ad hoc”, como os Painéis de Especialistas e as Listas de Verificação, passando pela superposição de mapas do livro “Design with Nature”, de Ian McHarg, pelas matrizes de valoração de Luna B. Leopold e do Instituto Battelle-Columbus, pela Environmental Cost-Benefits Analysis (ECBA), chegando até a complexa “Adaptive Environmental Assessment and Management”, do ecólogo canadense Crawford S. Holling. A partir da avaliação desses métodos, chegaríamos à conclusão que, mais tarde, seria incorporada a todos os regulamentos sobre o tema: não havia a “metodologia certa”. Os empreendedores deveriam se valer dos métodos mais adequados para avaliar os impactos ambientais pertinentes aos seus empreendimentos. E os estudos prévios de impacto ambiental passariam a fazer parte necessária do processo de licenciamento.
Um ponto, no entanto, seria o mote da principal questão que enfrentaríamos nos dias de hoje. Todas as metodologias se originaram em países democráticos. Dessa forma, o chamado “meio sócio-econômico e cultural” fazia parte de todas as avaliações de impacto. Além dos meios “físico” e “biótico”, também as produções, planos e projetos humanos deveriam ser considerados como linha de base no estudo do impacto de um novo empreendimento. Várias metodologias previam, ainda, mecanismos de consulta pública de partes interessadas, como ponderadores importantes para a tomada de decisões sobre o licenciamento. Mas vivíamos uma ditadura. Os primeiros estudos ambientais de projetos federais traziam pérolas nesse campo, como a afirmação de que “os índios não serão afetados pelo lago da hidrelétrica, porque são ótimos nadadores”… Como trazer isso para a realidade do Brasil? A resposta a essa questão foi tentada a partir do estabelecimento de um período de consulta pública aos EIA/RIMAs, seguido da realização de uma ou mais Audiências Públicas para coleta das opiniões das partes interessadas, previamente à expedição da primeira de três licenças ambientais – a Licença Prévia.
No contexto de uma Democracia ideal e educada, a idéia era brilhante. No entanto, no Brasil real, estabeleceu-se um dos mais nefastos balcões de negócios, a emperrar de forma kafkiana, pela judicialização, a engrenagem do licenciamento país afora, com graves efeitos sobre a competitividade brasileira. Toda a lógica da relação do empreendimento com as partes interessadas parece se afastar do justo e devido esclarecimento, pelo empreendedor à comunidade, acerca dos impactos e riscos da nova instalação, bem como das medidas incluídas no projeto para minorar os efeitos ambientais negativos e maximizar os positivos. Em vez disso, adentrou no pantanoso campo da “compensação”. Tratado como pecado, o lucro do empreendimento precisaria pagar um tipo de “pedágio” aos grupos de interessados. No rastro desse inusitado conceito, certos governos entendem por bem transferir suas próprias obrigações, repassando aos empreendedores – como compensações do licenciamento ambiental – a construção de ruas, casas, praças, hospitais, escolas, creches, postos policiais, saneamento urbano e o que mais se possa inventar de infraestruturação das regiões vizinhas (por vezes, nem tão vizinhas…), roubando margem, amplificando os custos de instalação e adiando o retorno do investimento. Em outras palavras, “Custo Brasil”.
Temos ainda um longo caminho para evoluir na nossa jovem democracia, em especial na educação. Hoje, é assim que funciona. No entanto, na pele de um daqueles pioneiros da década de 1980, não consigo tirar da cabeça um conhecido ditado espanhol: “cria cuervos y te sacarán los ojos”…